Coluna Esparro | Roqueiro Mofado
Coluna dedicada ao mundo Hardcore e Punk Rock.
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Publicações todas as Sextas
A coluna Esparro passa a publicar novos textos toda sexta, mas algunas atualizações seguem de acordo com as atividades normais do site.
11.03.2022
A cena bahiana
Recentemente, felizmente, voltei a ter um toca discos em casa. O processo de aquisição foi um pouco demorado e confesso que, apesar da alegria de poder ouvir novamente os meus LPs, no dia que comprei o aparelho cheguei em casa com o coração apertado. A pessoa precisou se desfazer do toca discos porque estava precisando de grana. Eu me coloquei no lugar dele e lembrei de alguns momentos nos quais a grana andava curta. Imaginei-me tendo que me desfazer de algo cujo valor vai além do material. Espero de coração que a grana o ajude e que em breve ele consiga comprar um novo toca discos. Sei o quanto é prazeroso e relaxante poder ouvir os LPs.
Um dos primeiros LPs que coloquei para tocar foi o Cenas Anarco Punk’s Vol I. A sensação foi irada, fazia tempo que não o escutava. Isso trouxe a memória uma série de coisas e tudo o que nos levou, Misantropia, a fazer parte do disco. Nele há uma variedade de bandas com sonoridades únicas e distintas, mas que compartilhavam ideias e ideais em comum. Há polêmicas envolvidas, algumas histórias que nos afetaram na época e também nos ajudaram a amadurecer. Com o tempo venho aprendendo a valorizar o que cada situação traz de positivo, nestas perspectiva há muito mais experiências boas do que negativas em nossa participação. Dentre as bandas que fizeram parte da coletânea há uma de Salvador, a Bosta Rala, que me fez lembrar de vários momentos e também ver o quanto a produção punk sonora soteropolitana é muito forte.
O meu primeiro contato com a Bosta Rola na década de 90, quando tocamos no Cotinguiba em Aracaju. Acho que foi a primeira vez que dividimos o palco com a Karne Krua. Além da KK também tocaram Sublevação e Bosta Rala, são as bandas que lembro no momento, não tenho certeza se a Logorréia e Apátrida tocaram. O local e a estrutura eram muito boas. Subimos com muita energia e como todas as bandas fizemos a nossa parte. O público era bom e estava bastante empolgado, o pogo rolou solto. Acho que a Bosta Rala tocou logo depois da gente. Além do som há duas coisas que se sobressaiam na banda: a atitude de Morcego no palco e o baterista, acho que na época chamavamos ele de Thor, a bateria parecia de brinquedo quando ele assumiu o posto para tocar. Nesse show antes de uma música o Morcego fala:- meu corpo é igual ao de vocês, o meu corpo é igual ao seu, o meu corpo é igual ao daquela mina ali. Logo após isso ele tira toda a roupa e passa a tocar completamente nu. Essa atitude gerou um inconviniente posterior, o Cotinguiba fechou o espaço para os shows de rock. Há outro fala que me chamou muito a atenção, não tenho como reproduzir ipsis litteris, mas resumo o que lembro, ele disse que ficaria muito feliz se a mãe dele e as pessoas próximas a ele compreendessem qual era a razão das suas lutas, o que ele e banda defendiam, o por quê da sua postura e atitude, o que o anarquismo significava. Aquilo me tocou muito pois foi bastante sincero.
Alguns anos depois dividimos novamente o palco em Aracaju com a Karne Krua e a Bosta Rala. Esse dia foi marcante para mim porque tive oportunidade de trocar algumas ideias com o Morcego. Primeiro conversamos sobre a participação no Cenas Anarco Punk’s e seus desdobramentos, foi legal saber do respeito mútuo. Depois ele me contou um pouco sobre a experiência que viveu ao ser preso, reforçou sobre as situações da vida que nos mostram nossos verdadeiros amigos. A lembrança que tenho dele é de um cara com um coração grande, que sofria bastante por causa da realidade do mundo e da nossa sociedade, alguém que acreditava na possibilidade de mudança e enxergava no punk/anarquismo um caminho de evolução. Infelizmente algum tempo depois ele foi assassinado em mais uma das situações corriqueiras de violência policial. Há uma entrevista que vale apena ser lida aqui (https://elcabong.com.br/entrevista-lendaria-banda-punk-baiana-bosta-rala-volta-as-atividades/).
Falando sobre as bandas da Bahia, no início do século 21 fiz parte da Verde HC com dois grandes amigos: Clayton e Christiano. Bons tempos, alguma roubadas e muitas lembranças boas. É uma época e história que guardo com muito carinho, sinto orgulho de ter feito parte dela. Aprendi muito com eles dois que me apresentaram muitos sons novos e ajudaram a quebrar um pouco as barreiras que tinha erguido. Foram eles que me apresentaram a Estopim Records e o seu cast de bandas. Com certeza a existência da Estopim Records ajudou bastante no desenvolvimento da Verde HC. A distro, produtora e gravadora lançou várias bandas e movimentou bastante a cena nordestina. Seu cast não contava apenas com bandas da Bahia, mas com certeza foi responsável por apresentar muitas coisas boas vindas de lá para todo o Brasil. Até hoje tenho o CD da Sem Acordo, que além de ser extremamente bem gravado é recheado de pérolas, tem uma música que considero fantástica chamada Eu te amo.
Quem quiser saber um pouco da história da Estopim ainda é possível encontrar algumas informações na internet.
:: Sandney Farias
04.03.2022
Punk do subúrbio
Nem de longe sou um grande conhecedor da música punk. Muitas vezes percebo o quanto explorei e exploro pouco esse universo vasto. Há algumas bandas clássicas, seminais do punk, que levei muito tempo para conhecer. Independente dessa limitação também tive e tenho acesso a uma quantidade considerável de bandas das mais variadas vertentes. Graças as DTs (demo tapes), LPs e cartas não tenho do que reclamar.
Já comentei aqui que os fanzines e as cartas eram muito efetivos durante as décadas de 80 e 90. Não consigo mensurar o quanto conheci de pessoas e bandas através dessa comunicação tão comum e eficiente há anos atrás. Foram muitas amizades, algumas que duram até hoje, e muito material circulando. Apesar de ser muito afeito a tecnologia, passo boa parte do meu dia de frente para um computador, sinto uma falta imensa da comunicação via carta. O imediatismo da comunicação digital não tem o charme da correspondência via carta. Será que esse comentário me coloca de vez na pratileira de tiozão do rock, roqueiro mofado??
Não lembro qual amigo ou fazine me apresentou a Delinquentes de Belém do Pará. Não dispunha de todos os recursos tecnológicos existentes hoje, mas consegui descobrir coisas sobre a banda e, óbvio, chegar até uma DT repleta de clássicos: Punk do Subúrbio, Gueto, etc. Jayme Katarro é mais uma voz clássica do punk/HC nacional, assim como a banda, que já nos seus primórdios tinha uma identidade sonora muito própria e forte. É aquele vocal e banda que no primeiro grito ou acorde você já identifica, isso é foda. Inclusive essa DT tem uma relação forte comigo. Em 1996 sofri um acidente de carro e a fita que estava escutando no momento era ela. Felizmente todos que estavam no carro sobreviveram mesmo tendo sido um acidente grave. A fita não teve o mesmo destino, mas consegui fazer uma cópia da mesma DT que um amigo tinha em mãos.
A Delinquentes tem uma relação forte com a cena nordestina, eles participaram do primeiro Festcore realizado na década de 80, um evento clássico que durante muitos anos rolou em Aracaju. Soube que eles vieram para o Nordeste sem a grana das passagens de volta por isso ficaram um tempo considerável por aqui até o retorno para Belém.
Em 2012 eles gravaram seu primeiro DVD, 'Planeta dos Macacos', no dia 20/05, em um show realizado na Praça da República, centro de Belém. Considero esse DVD um belo cartão de visitas. Dá para perceber a sinergia da galera com a banda, o tipo de integração que só um show de hardcore propicia. Do início ao fim a banda desfila os seus clássicos e o público não para. Recomendo fortemente assistir o DVD.
Em 2018 eles fizeram uso do financiamento coletivo para lançar o álbum Infectus Humanus, conseguiram levantar a grana e nós fomos presenteados com mais um grande trabalho. A discografia da banda é bem sólida. Nos últimos anos eles estão ainda mais ativos, vez ou outra um novo petardo aparece nos meios digitais. Eles souberam se adaptar e utilizam muito bem os meios digitais. É importante ressaltar que em seu longo período de existência a Deliquentes sempre esteve ativa. O mais importate é que até hoje mantêm a coerência com tudo aquilo que é dito em suas letras, deixando bem claro o posicionamento da banda.
:: Sandney Farias
11.03.2022
O momento atual das mídias
Há muito tempo se fala dentro do meio dos colecionadores de vinil e outras mídias que esse grande aumento nas vendagens é só uma fase ou alguma moda hipster, como chamam. O que podemos dizer é que o vinil vem ganhando mais adeptos e vem crescendo em lançamentos, repress e discos aclamados, lançados na época do cd, ganhando seu espaço no formato da bolacha.
Dentre muitos colecionadores aparecendo nesse meio, às vezes, nós colecionadores nos pegamos em rodas de conversa se isso é uma “moda” passageira, e com o aumento vem os preços aumentando cada vez mais. Bem o mercado sendo aquecido virou algo bem lucrativo para o ramo. No momento atual muitos selos e gravadoras vem sofrendo com as fábricas atrasando entregas por conta de material, demanda e outros que aparecem por conta da pandemia.
Diante desse caos que encontra nossa economia e a desvalorização do real ficamos refém de valores, muitas vezes, abusivos, pois a importação fica praticamente inviável e ainda corremos o risco de taxas sendo cobradas de forma aleatória.
Outro ponto que vem acontecendo com esse cenário citado acima é o “retorno do cd” que vem sendo fortalecido nesses últimos anos, o que vem criando alguns adeptos da mídia digital. Esse retorno há muito vem sendo falado por ser mais acessível ao bolso de alguns amantes da música.
Que todas as mídias ganhem seu espaço, que nós como colecionadores e apreciadores de música possamos continuar a consumir pois música transforma, agrega e alimenta a alma.
Thales Padilha::
25.02.2022
RDP VIVO: o disco que balançou as estruturas do underground nacional
Há 30 anos o Ratos de Porão subia ao palco para gravar um dos registros ao vivo mais viscerais da música punk mundial. Um disco que marcou época, entortou a cabeça de muita gente e segue fazendo história como um álbum fundamental na discografia do hardcore nacional.
RDP VIVO é um chute na cara do conformismo e ultrapassa definitivamente a barreira antes imposta pela ‘divisão’ entre o metal e o hardcore. Um disco político, sujo, agressivo e muito intenso, que traz a banda em uma de suas melhores fases.
João Gordo com seu vocal marcante, vomita letras que há certo tempo já fazia parte do imaginário punk no Brasil e junto com Jão, Boka e Jabá descem a lenha e um set matador que inclui faixas como Crianças sem futuro, Sofrer, Máquina Militar, Velhus Decreptus e Igreja Universal. Há ainda espaço para as já clássicas Crucificados Pelo Sistema e Beber Até Morrer e um cover dos “mais punks do mundo”, Work For Never do Extreme Noise Terror.
E assim a banda vai simbora largando tijolada atrás de tijolada que mais parece um rolo compressor. O que enche os ouvidos por aqui é uma música tocada com raiva e velocidade, aliada a uma gravação crua e fiel ao que é a banda ao vivo. Um pé no crust, outro no crossover e muito do hardcore atravessado que ganhou forma logo nos primeiros discos da banda; além daquele punk rock maloqueiro, abrasileirado e debochado, como é o som e a postura do RDP.
Um daqueles shows que a banda toca como se o mundo fosse acabar na próxima hora. Guitarra no talo e cuspindo fogo com os riffs e timbre característico do Jão, bateria violenta
e cheia de gás com os primeiros registros do Boka na banda e um baixão estalado e pesadão que traz aquele som sombrio e matador pra fechar o pacote. João Gordo entre uma fala e outra solta uma frase marcante e que diz muito sobre viver no Brasil: “não temos culpa de nascer no 3º mundo”.
Elogiado por muitos como um dos melhores discos ao vivo já lançados até hoje, o álbum segue fazendo história e soando atual. E como bem descreve o comentário de um ouvinte no YouTube, “o underground brasileiro nunca mais foi o mesmo depois desse álbum ao vivo. Agressividade, velocidade, a impressão que se tem é que estamos no meio do show.”
Luiz BZG::
11.02.2022
Nazi Punks Fuck Off
Em tempos sombrios é sempre bom lembrar e reforçar de que lado estamos. Alguns ainda insistem em ouvir sem prestar atenção ao que está implicito, normalmente bem explícito, nas letras e nos discursos de várias bandas. Infelizmente atualmente as próprias bandas ou alguns dos seus integrantes esquecem o que cantam ou simplesmente confirmam que são apenas palavras jogadas ao vento. Desde os seus primórdios, mesmo quando ainda estava se descobrindo como movimento, o punk já trazia no seu âmago a contestação de ideias, conceitos e preconceitos presentes em nossa sociedade. Várias bandas seminais escancararam esse posicionamento. Uma que se destacou pela forma irônica e sarcástica de tratar os mais diversos temas além, lógico, de uma sonoridade única foi a Dead Kennedys. Eu nunca vou esquecer a primeira vez que escutei California Uber Alles - nos meus textos o termo “eu nunca vou esquecer” já virou clichê, parecia algo vindo de outro mundo. O timbre da guitarra, o som do baixo, a bateria e o vocal eram e são inconfundíveis até hoje.
O acesso aos LPs naquela época era bastante complicado, além do preço muitos deles dificilmente chegavam aqui ao Brasil, quanto mais em Maceió. Não vou esquecer que por algumas semanas tive o disco branco, Fresh Fruit For Rotting Vegetables, em minhas mãos e diariamente no toca discos lá de casa. Ele foi corretamente devolvido ao dono, nem tentei comprar porque no lugar dele não venderia e também, provavelmente, não teria a grana para bancar a compra. Na verdade considero que o meu primeiro contato com o som do Dead Kennedys ocorreu via fita cassete. Já tinha ouvido falar sobre a banda e seu vocalista Jello Biafra, provavelmente já tinha escutado rapidamente alguma música, mas quando a fita chegou em minhas mãos foi impossível ficar sem escutá-la pelo menos uma vez por dia. Até hoje a sonoridade deles é única, some-se a isso a figura de Jello Biafra, que é um grande letrista, um frotman com uma performance alucinante e até hoje um cara que coloca o dedo na ferida. Como de costume, no disco ou na fita, procurei conhecer melhor a banda e suas letras. A tarefa sempre foi mais fácil nos discos devido aos encartes, mesmo sem internet e com meu inglês meia boca fiz a minha parte para compreender as letras, algo que até hoje considero extremamente importante. Outro fator que me deixou ainda mais instigado foi uma fita VHS que chegou em minhas mãos com um show ao vivo em São Francisco. Pela primeira vez pude constatar o quanto o show deles era detruidor. As caras e bocas de Jello Biafra, sua insanidade no palco e toda a teatralidade deixaram o ambiente bastante agitado. Do começo ao fim o público não parou um minuto, assim como a banda.
Em 2013 eu pude ver parte da banda ao vivo no Abril Pro Rock. Lembro de ter escrito um texto para concorrer a um ingresso do APR no dia do show deles, se não me engano o título foi Sem Jello Biafra, mas ainda é o Dead Kennedys. Terminei ganhando o ingresso, mas não perderia o show de forma nenhuma e pagaria pela minha entrada. Procurei o texto na internet para colocar o link aqui, mas não encontrei nada. Foi mais uma experiência especial para mim. Sei que a banda perdeu muito sem o Jello Biafra, mas presenciar parte dela ao vivo e pogar ao som de vários clássicos foi muito bom. Com certeza esta sensação foi compartilhada por boa parte dos presentes naquele dia.
Veio 2019 e a grande polêmica com relação ao cancelamento do show no Brasil após a divulgação da arte de um cartaz, que para mim ficou irada e representa muito bem o Dead Kennedys que eu conheço e sempre admirei. Notícias sobre o ocorrido estão disponíveis na internet. Foi algo que me afetou e deixou com o pé atrás em relação aos integrantes da formação que está na ativa e a postura deles. Uma banda conhecida por suas letras e atitudes recuou de forma feia diante da repercursão de uma arte que está diretamente ligada as letras das suas músicas. Resultado: uma camisa deles foi dada a minha filha para usar na hora de dormir. Talvez mais para frente compre uma outra camisa e quando usá-la lembrarei da banda que conheci na década de 80 e que foi responsável pela letra de Nazi Punk Fuck Off, parte dela reproduzida a seguir.
Punk ain't no religious cult
Punk means thinking for yourself
You ain't hardcore 'cause you spike your hair
When a jock still lives inside your head
Nazi punks
Nazi punks
Nazi punks, fuck off!
Nazi punks
Nazi punks
Nazi punks, fuck off!
….
You still think swastikas look cool
The real Nazis run your schools
They're coaches, businessmen and cops
In a real fourth Reich you'll be the first to go
Para concluir: há ideias que não devem encontrar espaço e muito menos eco em qualquer canto do mundo.
:: Sandney Farias
Arte: @cristianossuarez
04.02.2022
3 bandas essenciais da primeira década dos anos 2000 em Maceió
Alagoas sempre produziu ótimas bandas e com sacadas diferenciadas, mas como ainda é comum por aqui, muitos desses trabalhos foram subestimados ou não sobreviveram tempo suficiente para gerar novos frutos e se manterem ativos. No texto da vez eu decidi listar bandas que pra mim marcaram com originalidade e diferencial a cena local na primeira década dos anos 2000, principalmente em Maceió.
Se você viveu a época, com certeza deve ter visto o show de algumas delas. Mas se você chegou um tempo depois, tá aí uma boa oportunidade de conhecer e ficar por dentro do que essa galera pavimentou para o que viria a acontecer depois por aqui.
Contra
A Contra surgiu em meio a forte influência do chamado ‘metalcore’ que varria a cena hardcore na época com bandas, selos e festivais especializados nesse estilo de som que fazia principalmente a cabeça de quem tava chegando no rolê e unia 2 pilares da música underground, o hardcore, como já citado, e o metal, que passeava pela linha de bandas de doom, stoner e death metal. Com um time formado por figuras já conhecidas na cena local, a Contra foi uma das bandas com maior expressão política do começo dos anos 2000 aqui na cidade e influenciou muita gente que posteriormente optou por dar maior atenção a esse lado politizado do hardcore, tendo em vista que os caras organizavam eventos com debates, oficinas e exposições sobre o punk e suas vertentes políticas, focando principalmente em temas como a cultura Straight Edge e o veganismo. Som forte, pesado e contestador, que fez história em apresentações memoráveis dentro e fora da cidade, circulando pelo Nordeste.
Mutação
Uma das bandas alagoanas mais conhecidas no Brasil, a Mutação viveu seu auge nos anos 2000 e lançou um dos álbuns mais legais de sua época, sendo elogiado inclusive em mídias especializadas e ganhando espaço na cena hardcore nacional, principalmente no Nordeste. Com um som mais voltado ao hardcore melódico e com fortes influências de bandas como Bad Religion e Dead Fish, a Mutação gravou o debut ‘Porquê?’ e fez inúmeros shows com a casa cheia e o público ‘na mão’, não só em Maceió. Pouco depois o vocalista foi morar fora do país e a banda desde então segue fazendo apresentações e gravações pontuais, mas obviamente sem o mesmo pique e a expressão de antes.
Importa?
A Importa? é uma das bandas mais foda que eu já vi surgi (e morrer) por aqui. Sou suspeito pra falar, porque a banda unia vários elementos que eu viajo no hardcore. Tinha um pézinho no melódico, no metalcore, e muito da influência do trashcore, powerviolence e fastcore disgracento de bandas como Vitamin X, Discarga e Triste Fim de Rosilene, além de uma semelhança particular com o que fazia a Nitrominds na época, mas nem de longe soava igual ou copiado, já que a Importa? tinha seus elementos próprios em termos de melodias e letras que ganhavam ainda mais força com um berrado vocal feminino. Daquelas bandas que você não sabe muito bem distinguir o gênero, mas que faz uma mistura bem encontrada e soa de maneira própria quando junta todas essas diferentes influências. A banda chegou a gravar um álbum cheio, fazer várias apresentações na cidade, outras em cidades vizinhas e encerrou suas atividades quando os integrantes começaram a tomar outros rumos na música para além do hardcore. A Importa? chegou a se reunir ainda duas vezes após o seu término oficial e matou um pouco da saudade de quem, assim como eu, reconhecia a banda como um dos projetos mais fodas da cena underground local, e também de quem ainda não tinha tido a oportunidade de ver a banda ao vivo.
Luiz BZG::
28.01.2022
Vinil: Será o novo formato que veio para ficar??
Que o mercado de vinil está de vento em popa, isso não é novidade para ninguém. E o que percebo é um grande aumento de pessoas consumindo esse tipo de mídia e usufruindo do prazer de ouvir um disco.
Nisso vão se criando muitos colecionadores desse formato de mídia, formato esse que muda nossa forma de ouvir música. Vai muito além de ouvir em streaming e não só de ouvir a música, você começa indo até a loja ou sebo, garimpando o disco, checa como esta o estado do disco e compra. Quando chega em casa inicia outro “ritual” de ficar curtindo a arte do álbum, colocar a agulha sobre o LP para iniciar a audição, fica curtindo o encarte e se tiver as letras até “ensaia” o canto das músicas. Além de conhecer a ficha técnica do disco, quem o produziu, os músicos que participaram e gera a imaginação de como tudo aquilo foi criado. Esse prazer é único nesse tipo de mídia, e que fazem tantos colecionadores pelo mundo.
O mundo hoje do vinil tem um dos pontos que acho bem legal que é a interação social, conversar sobre diversos estilos com colecionadores de outros gostos musicais e troca de ideias. Em um texto publicado no site da Universidade Metodista de São Paulo, a psicóloga Maria Fogo afirmou: “O ato de colecionar desenvolve uma metodologia, o senso de observação, paciência e atenção. Para que adote uma coleção, a pessoa se coloca em uma condição de estruturar-se e desenvolve competências que lhe permitam atingir os resultados desejados”.
No mundo vinílico se conversa muito se esse formato vai entrar de novo no ostracismo ou se ele realmente veio para ficar. O que podemos perceber é que o mercado existe, está forte e vem crescendo a cada momento os adeptos a boa e velha bolacha musical.
Thales Padilha::
Sabotage - Rap é Compromisso
Di Melo - Di Melo
Cartola - Cartola II
Baby Huey - The Baby Huey Story (The Living Legend)
Cólera - Pela Paz Em Todo Mundo
Ratos de Porão - Crucificados Pelo Sistema
21.01.2022
O que vocês farão depois de destruir o sistema?
Desde o meu primeiro contato com o punk percebi que a cultura e ideias fariam parte da minha vida até meu derradeiro suspiro. Sempre vislumbrei duas possibilidades para o término desta relação: a morte física ou da minha consciência, ou seja, deixarei de ser e me sentir punk quando estiver enterrado ou quando for vencido pelo sistema passando a considerar que tudo foi apenas coisa de adolescente - lembrando que a minha adolescência passou há muito tempo. Até o momento, mesmo vivendo preso ao que chamo de “tentáculos do sistema”, sem visual pesado, levando uma vida mais para o padrão normal, sei que a segunda opção, felizmente, não ocorreu. Não vou esquecer nunca de uma frase direcionada a mim e que me tirou do sério: isso é apenas uma fase. Hoje respondo a isso com o sorriso de alguém ciente de quem é, mas na época quase rolou uma briga.
O meu primeiro contato com o punk ocorreu por meio da música. Hoje tenho certeza que mesmo ela não sendo a sua finalidade, sempre foi e será o principal meio de propagação e a porta de entrada para várias pessoas. Muitos se interessaram e passaram a integrar o movimento por causa das bandas. A partir daí, felizmente, conheceram melhor a cultura e a ideologia. Sabe-se que nos primórdios do punk brasileiro surgiram algumas gangues o que ocasionou alguns momentos tensos e um pouco violentos, além disso a grande midia sempre buscou relacionar o punk com a baderna, marginalizando os seus integrantes.
Recentemente li dois livros que retratam muito bem o início do movimento punk no Brasil, são eles: Os fanzines contam uma história sobre o punk e Punk: memória, história e cultura. Cada página lida ativou lembranças da época na qual tive o primeiro contato com punk. Da mesma forma que a música foi quem abriu a porta deste universo para mim, tantas outras pessoas vinvenciaram o mesmo. Lógico que não vivi os primórdios do movimento no Brasil, como ocorreu com o autor dos livros e as pessoas retratadas neles. Não peguei a fase mais violenta, não sei dizer se aqui em Maceió em algum momento existiram gangues ou algo do tipo. Sei da resistência que encontrei por parte dos punks mais antigos quando fiz minhas primeiras incursões no movimento. Também fomos, enquanto banda, boicotados tendo nossas faixas arranhadas no LP Cenas Anarco Punk’s VOL I. Hoje, com mais clareza e maturidade, até mesmo motivado por essas duas leituras recentes, compreendo um pouco melhor tudo o que aconteceu, mas ainda considero que foi uma atitude desnecessária e incoerente.
Falando sobre os livros em Os fanzines contam uma história sobre punks o autor faz um apanhado muito interessante retratando por meio dos textos dos fanzines a evolução de um movimento que foi amadurecendo e se descobrindo ao longo dos anos iniciais. É possível notar como todo o contexto do final da década de 70 e ínicio dos anos 80 foi determinante para eclosão do movimento, jovens que vivenciaram uma época dura e sem muita perspectiva descobriram no punk um meio para canalizar suas frustrações, revoltas e esperanças. É bonito ver o surgimento da relação com o anarquismo, a catalização de tanta energia, que em um momento ou outro eclodia em violência, em algo revolucionário e que se não foi capaz de mudar o mundo com certeza impactou na vida de muitas pessoas. Não vou me aprofundar muito para não tirar a graça da leitura, mas nos dois livros a um termo muito interessante e bem aplicado “a fase caverna”, que o autor emprega tanto para tratar do movimento quanto do seu estágio inicial como punk.
O livro Punk: memória, história e cultura também trata dos anos iniciais do movimento, mas tem algo muito interessante e relevante porque aborda a aproximação dos punks com o CCSSP (Centro de Cultura Social de São Paulo) e, consequentemente, com o anarquismo. Na minha cabeça até hoje não consigo dissociar o punk do anarquismo. Há transcrições de palestras que ocorreram no CCSSP, assim como também alguns relatos do autor sobre o que ele vivenciou, o seu amadurecimento e crescimento indiviual resultado do seu envolvimento com o punk e com os anarquistas do Centro de Cultura Social. Há um momento no livro, desculpem este spoiler, no qual um punk é questionado sobre qual é o objetivo do movimento, ele prontamente responde que é destruir o sistema. A segunda pergunta, que o pega de surpresa, é: o que vocês farão depois de destruir o sistema?
Os dois livros podem ser adquiridos na livraria do CCSSP http://ccssp.com.br/livrariaccs/.
:: Sandney Farias
Leia ouvindo
14.01.2022
Não é só música…E a história tá aí pra provar!
Olhar pra história do punk ao redor do mundo é notar que por mais que essa contracultura tenha lá suas contradições, a base libertária que conduz essa locomotiva tresloucada ainda é a força que persiste com maior amplitude.
E o que isso quer dizer? Que ainda que o cenário possa não parecer favorável em diversas situações, a participação de grupos que concentram suas atitudes e posturas na construção de algo realmente contestador, inclusivo e libertador é a coluna vertebral e o cérebro dessa expressão juvenil (?) que há anos bate de frente com o conservadorismo escroto.
Nessa pegada, um espaço que há muito é permeado por homens brancos, encontra visceralidade para continuar existindo quando é ocupado mais intensamente por negros, mulheres e homossexuais por exemplo. É por meio desses 'grupos' que a resistência cultural e política se mostra mais ativa, contestadora e se apresenta como a vanguarda desse estilo de vida.
São bandas, coletivos, fanzines e outros meios de expressão que representam um olhar pra além da mesmice e discutem temas que muitos sequer conhecem ou então fazem vista grossa na hora de botar o assunto na roda. Uma postura mais que necessária quando o objetivo é retomar de maneira mais incisiva o que formou essa subcultura que mistura liberdade, respeito e contestação.
É certo que muito se perdeu ao longo do caminho e por vezes esse espaço foi contaminado por ideias que foram usadas para confundir os que estavam ali apenas como espectadores. Em um espaço onde as posturas ideológicas têm terreno livre para serem debatidas, revistas e assimiladas, muita gente segue tentando ‘infectar’ o meio, ao passo em que surgem sempre novas pessoas que seguem o fio condutor do que é o punk em sua cerne: quebrar as regras de uma vida imposta. Afinal, só há dois lados na sociedade, o dos opressores e o dos oprimidos. De que lado você tá?
Luiz BZG::
31.12.2021
O espelho dos deuses
Por mais que eu não queira pensar em fronteiras, estados e delimitações geográficas sei que elas influenciam bastante a todos nós das mais diversas formas. Musicalmente falando as bandas do NE, sei que isto acontece em vários locais fora dos grandes centros, sofrem bastante para conquistar espaço. Acredito, pelo menos penso assim, que boa parte das bandas nordestinas que nascem ligadas ao hardcore punk não surgem buscando a fama ou um lugar ao sol, simplesmente querem afrontar o sistema e tocar onde for possível. Só que o caminho mais natural é a vinda das bandas do sul/sudeste para o nordeste, sendo uma grande barreira para qualquer banda sair daqui para o resto do Brasil. Karne Krua, Câmbio Negro, Devotos, Nem Todos Esquecem, Coalizão, Rotten Flies e tantas outras teriam muito mais espaço, tocariam muito mais e fariam mais barulho ainda se tivessem surgido, por exemplo, em SP.
Analisando a introdução desta coluna sei que sou privilegiado. Lógico que na cena punk/hc as coisas sempre circularam bastante, mas por estar no nordeste tive e tenho acesso a bandas e fui a shows que a galera de outras regiões do país nunca irão. Neste grupo de bandas e shows geograficamente enquadrados há mais uma banda que merece destaque: Câmbio Negro HC.
No início da década de 90, depois de escutar muitas bandas do NE, chegou em minhas mãos o LP O Espelho dos Deuses da banda Câmbio Negro HC (PE). Já pela capa, uma arte simples e bem bolada, o meu interesse foi despertado ao extremo. Acredito que já havia ouvido o nome da banda algum tempo antes, mas não lembro de ter escutado nada deles até comprar o LP. Parece estranho comprar o LP de uma banda que você nunca escutou, mas fiz isto algumas vezes e em boa parte delas não me arrependi. Para quem nasceu apenas duas décadas atrás é difícil descrever o prazer que sempre senti ao pegar um LP, analisar a sua capa, olhar a lista das músicas, pegar o encarte dissecando-o completamente. Putz, bom demais! Calmamente ligar o toca-discos, abrir a tampa, tirar o LP do saco plástico, colocá-lo para rodar, tirar a agulha do local posicionando-a sobre o primeiro sulco do disco. No caso do disco em questão os primeiros acordes foram arrebatadores. Muitos poderão pegar o mesmo LP e ao escutar os primeiros acordes vão analisar detalhes da qualidade da gravação, timbres e etc. Para mim isto até é importante mas, como sempre falo, a instigação, energia da banda e letras são o que mais contam. Devo reforçar que para mim, principalmente para aquela época, a qualidade da gravação é muito boa. Não consegui parar de ouvir o disco, música a música, com o encarte/letras em mãos a minha tarde, aqui estou fazendo uso poético porque não lembro em qual horário escutei o disco pela primeira vez, foi prolongada e bem instigante. O esforço de virar o LP do lado A para o lado B foi contínuo e durou algumas boas horas. Não sei se o fato de ser vocalista da Misantropia sempre me leva a observar atentamente os vocais de qualquer música que escuto. Pesado, assim como Silvio (KK), Canibal (Devotos), Ramsés (Coalizão, ex Rotten Flies) e Jayme Catarro (Delinquentes), só para citar alguns, tem um vocal único e toda a banda estava bastante afinada quando gravaram o Espelho dos Deuses.
Para a minha felicidade pouco tempo depois eles vieram a Maceió para lançar o LP. Devo ressaltar que muita coisa boa passou por aqui devido a Rock Shop, a loja realmente ajudou a movimentar a cena local abrindo espaço para muitas bandas, colocando Maceió no circuito. O primeiro show da Karne Krua e este do Câmbio Negro foram organizados pelo Ênio. O local escolhido foi um espaço da UFAL na Praça Sinimbu, não lembro como era chamado na época, sei que alguns shows e bandas passaram por lá. Um detalhe interessante, diferente de outros eventos que ocorrem lá, desta vez as bandas tocaram em um área no primeiro andar do espaço. Espero não estar louco e nem com a memória falhando, mas foi isto mesmo. Já na entrada um detalhe chamou a atenção, havia uma certa tensão entre os punks e headbangers que foram ao evento porque alguns surfistas apareceram na porta para ir ao show. Nesta época a relação entre punks e headbangers estavam bem tranquila, mas surfistas já não eram tão bem vindos. Nem lembro se no final eles entraram ou não, acho que sentiram o clima e se mandaram.
Várias bandas tocaram no evento e aí vem outro detalhe, a batera montada para os shows era monstra: dois bumbos e uma senhora estante. Na hora que o Câmbio Negro sobe para tocar o baterista da banda abre mão de boa parte deste aparato, mesmo com a bateria 50% menor ele destruiu. O intervalo entre uma música e outra era bem curto, a banda estava a mil por hora. Com certeza dedicaram muito tempo em ensaios para gravar o disco. Estúdio e produção sempre foram bem caros, nos anos 90 qualquer banda com poucos recursos que se atrevia a produzir algo decente dedicava horas aos ensaios para aproveitar bem o tempo de gravação, nós fazemos isto até hoje. Foi uma pedrada atrás da outra, a roda de pogo estava bem animada. Mesmo considerando que o show foi rápido não lembro de termos saido reclamando disto, saimos todos exauridos e felizes.
A banda ainda lançou um segundo LP - Terros nas ruas, também tenho este, mantendo a mesma pegada e mostrando um amadurecimento legal. Infelizmente a formação que gravou ambos se desfez alguns anos depois. Tive oportunidade de assistir a um show da nova banda do Pesado no Abril Pro Rock 2019 - a banda se chama Pesado, o vocal e a presença de palco continuam instigantes. Em 2015 o Câmbio Negro HC tocou no Abril Pro Rock com uma nova formação, infelizmente não fui ao evento neste ano.
Ah, já ia esquecendo, há pouco tempo atrás foi lançado um LP chamado Ecos do Terceiro Mundo, que resgatou várias gravações da banda com músicas que fizeram parte do Espelho dos Deuses. É bom para conhecer melhor os primórdios da banda.
:: Sandney Farias
24.12.2021
Um canteiro de obras onde o concreto é a cultura underground
Entrar na saga dos podcasts foi algo que demorei a assimilar. Não captei de primeira a ideia de ‘voltar’ a um esquema na pegada do rádio em contraponto a era do audiovisual, onde grande parte do que circula na internet nos últimos anos passou a usar o vídeo como suporte. Pois bem, demorei mas assimilei e cá estou eu escrevendo novamente para indicar um podcast.
Há algumas publicações anteriores eu indiquei o AbismoCast, capitaneado pela galera da banda Abismo, aqui mesmo de Maceió. Dessa vez eu vou um pouco mais longe e trago uma indicação que vem direto da cidade cinza, o Obra Fechada, sob o comando do historiador Marcelo Fonseca, vocalista da banda O Cúmplice (que já tocou por aqui) e figura presente na cena underground de São Paulo.
O próprio nome do programa já sugere do que se trata o podcast. O papo por lá tem como foco falar de obras clássicas da literatura, cinema e música, muitas vezes subestimadas e ou esquecidas pelas novas gerações, mas que carregam algo pertinente que sempre rende uma boa conversa com convidados, em sua maioria (talvez todos) próximos ao entrevistador.
Pra quem gosta de relembrar ou conhecer filmes, livros e discos que marcaram época ou rupturas, esse aqui é lugar. Mas pera lá, pelo histórico do cara à frente da parada você já imagina que o papo vá pelo caminho da mão esquerda e se debruce sobre obras com relevância para a cultura underground e um direcionamento político norteado por aspectos libertários e da chamada contracultura.
Tem papo sobre discos do Sepultura, Ratos de Porão, Napalm Death. Conversas pra lá de interessantes sobre filmes como Blade Runner, A Bruxa e Midsommar, além das já citadas obras literárias, que aqui ganham atenção em boas conversas sobre clássicos como 1984 e Fahrenheit 451.
Eu sei que o nosso papo central aqui é música, porém o tipo de música que falamos por aqui nos remete a outras obras e elementos que vão além do que apenas escutamos e muitas vezes nos direciona a algo que desperta o nosso interesse em ler e assistir. O punk foi assim comigo e segue na mesma pegada. Um espaço onde a gente se alimenta de diversas referências, principalmente nas letras de bandas que não se limitam ao mais do mesmo nas suas músicas.
Se você já é adepto dos podcasts ou tem curiosidade em conhecer um onde o mundo subterrâneo ganha espaço e discussão, pode ir na fé que é bem certo que esse vá lhe agradar. No mais, só ouvindo mesmo pra saber. Confira a lista de edições e boa audição!
Luiz BZG::
17.12.2021
Por trás de todo Caos, há um barulho necessário
Em meados dos anos 2000 conheci o Grindcore através do Napalm Death com o disco Scum, foi amor à primeira vista. Já escutava muito punk e hardcore, meu estilo preferido, e fui buscar um som mais agressivo e extremo, e olhe que já escutava Brigada do Ódio e não sabia que era considerada a primeira banda do estilo no Brasil.
O Grindcore iniciou seus primeiros sons em meados dos anos 80 nos EUA, e o próprio Napalm Death foi a primeira banda a se denominar no estilo. Gostei de cara pois a músicas eram mais curtas sem firulas, riffs rápidos e batidas com o formato “Blast Beat”.
Muitas bandas então surgiram e o Brasil que hoje é um celeiro delas com o ROT, Hutt, Facada, Subcut, Baixo Calão, Expurgo, Test, Stomachal Corrosion, entre outras. O ROT é considerado um grande nome da cena mundial com suas músicas bem sociopolíticas e vocal gutural.
O Grincore nunca conseguiu realmente um avanço no mainstream, mas criou um público leais ao subgênero da música pesada.
A liberdade criativa do estilo, seu meio “do it yourself” dissemina e contribui cada vez mais os simpatizantes do estilo.
Thales Padilha::
10.12.2021
Vivendo na merda
Infelizmente a pessoa que escreve este texto tem muitos pecados, um dos maiores é fazer parte de uma cena da qual, infelizmente, nunca teve o cuidado de guardar muito material das bandas locais. Só de Misantropia são 30 anos e durante este período frequentei muitos shows, dividi o palco com várias bandas e acompanhei boa parte do que aconteceu e vem acontecendo. Há bandas que gostei e gosto, há bandas formadas por grandes músicos mas que não me tiram da cadeira, há bandas com sons mais simples e menos elaborados que considero instigantes. Já faz tempo que aquele jovem pouco eclético abriu espaço para alguém com uma visão musical mais flexível, não fico preso apenas ao que eu mais gosto que é o punk/hc já faz algum tempo. Entretanto como o foco desta coluna é esta vertente há uma banda local que precisa ser citada: Living in the Shit (LITS) - creio que a opção pelo nome em inglês foi pela sonoridade mais bonita e o pensamento em alcançar o mercado “internacional” da música, quem sabe figurar na lista da billboard.
Em junho de 1991, mais especificamente no dia 8, data na qual comemoro meu aniversário, rolou o primeiro ensaio da Misantropia. Foi algo feito de uma forma bem experimental comigo tentando cantar e duas guitarras, não se assustem porque ser uma banda reconhecida pela maestria musical nunca foi nosso objetivo, na época o Júnior não tinha baixo então ele usou a minha guitarra com esta função, Cedryck era quem realmente ocupava o posto de guitarrista. Na época o nosso baterista Túlio não tinha instrumento por isso os ensaios iniciais, só dois no quintal da casa dos meus pais porque os vizinhos provavelmente não aguentaram e devem ter reclamando com eles, foram sem baterista. Enquanto ele não dispunha de instrumento algo nos uniu a Living in the shit, além do fato de enveredarmos pelo mundo punk/hc, o Juninho terminou assumindo a bateria na Misantropia enquanto resolviamos esta questão. Se não me engano creio até que ele foi o “professor” do Túlio no começo.
Não lembro quando ou como, mas em pouco tempo estávamos dividindo um espaço de ensaio com a Living in the Shit. Já no primeiro contato com o som deles notei a diferença abissal entre as duas bandas. Até hoje considero o Peru (Eduardo Quintela) um dos melhores guitarristas que já vi tocando punk/hc, ele está entre o meu top três da cena pesada/rock local, que é complementado por Aldo Jones (Dread Razor) e Pedro Salvador (Necro e tantas outras bandas/projetos). Devo fazer uma menção mais que honrosa a Raphael (Avoid). Além da sintonia entre os integrantes (Marcelo, Peru, Goiaba e Juninho) as letras desta fase da Living eram carregadas de sarcasmo e bem condizente com tudo o que nos cercava. Vivendo em Maceió, Pessoas Bad Comunnication, Sociedade Limitada e tantos outras eram carregadas de originalidade, fúria e a indignação do punk. Infelizmente não tenho uma DT deles, agora bate aquele peso na consciência desgraçado.
No final de 1991 fomos convidados para um show que rolou em Dezembro no Circo Cultural ao lado da LITS, várias bandas da cena local participaram do show, lembro que a Morcegos e a Escape tocaram nesta noite. Naquela época não éramos, Misantropia e Living, muito bem vindos. O clima era um pouco pesado, felizmente não houve nenhum tipo de incidente violento, fora a tensão, xingamentos e os olhares cruzados, no final tudo correu bem. A nossa apresentação foi bem nervosa, não no sentido de instigada, era a nossa primeira vez e por isso não estávamos muito a vontade, além disso a qualquer momento alguém poderia subir para tretar com a gente. Fomos devidamente bem ignorados, mas foi importante porque estávamos iniciando a nossa caminhada, encarando a desconfiança e batendo de frente com muita gente que não nos respeitava naquele tempo. Algumas destas pessoas e bandas viraram nossas amigas anos depois. Marcelo foi devidamente parametrado para o show: dreads no cabelo, estilo surfista e o sarcasmo que lhe era característico. Se da nossa parte faltou movimentação e sobrou nervosísmo, eles subiram ao palco extremamente seguros e pronto para a guerra. Que show, música a música eles deram o seu recado. Até hoje fico imaginando o que teria ocorrido se eles tivessem persistido tocando punk/hc. Em um momento do show uma figura muito conhecida da cena chegou próxima ao palco, o que acendeu o nosso sinal de alerta - estávamos preparados caso rolasse algum treta para segurar a onda juntos, o cara era grande, perto de uns 2m de altura e bem forte, chegou na base do palco e com suas duas mãos deu uma pela porrada na estrutura para intimidar a banda. Não surtiu feito, funcionou mais como combustível para uma apresentação incendiaria. De quebra ainda levaram a clássica cover do Suicidal Tendencies: I want more.
Em 1992 repetimos a dobradinha em nosso segundo show. Desta vez na praça do Skate. Nossos índices de impopularidade continuavam altos, situação importante para aprendermos a lidar desde cedo com algo que nunca nos abalou, inclusive incomodar e ser ignorado por certas pessoas/bandas é motivo de orgulho até hoje. Muitos daqueles que nos execravam na década de 90 hoje renegam o seu passado e, infelizmente alguns, estão no modo facista on. Mas voltemos ao show. Desta vez estávamos bem mais soltos e foi muito irado. A Living mais uma vez destruiu, hc/punk + sarcasmo no nível máximo. Durante um bom período repetimos a dobradinha em alguns shows: Banana Pub, UESA e outros locais. Com o tempo eles alcançaram visibilidade e conquistaram um espaço muito grande na cena local, nordestina e nacional. Como todos sabem a banda chegou na MTV, integraram-se muito bem com a cena pernambucana - que estava em efervercência, segundo reza a lenda foi o Eduardo (Peru) quem apresentou para Lúcio Maia (guitarrista da Nação Zumbi) o pedal wah wah, que na fase da LITS punk/hc ele já dominava como poucos.
Lembro que quando eles partiram para flertar com novas vertentes sonoras fiquei um pouco chateado/frustrado. Fui a alguns shows deles neste período de transição, todos sempre muito bons, mas só me divertia no momento que tocavam Vivendo em Maceió e alguns sons da fase punk. Levei tempo para entender e aceitar a mudança. É uma banda que merecia ter uma vida longa, com certeza até hoje estariam produzindo músicas bem originais e na batalha por espaço. Confesso que não tenho referência e nem noção do que é flertar com o viver de música, algo que nunca almejamos no passado e hoje ainda menos. Talvez ter que lidar com este tipo de situação seja algo difícil para qualquer banda, um teste ao qual a maioria não sobrevive. Sei que a Living in the Shit sempre será lembrada por sua história, relevância na cena local e nacional. Homem que é homem tem que ter cabelo cortado, barba feita e saber dançar forró
Confira uma entrevista deles que saiu no clássico zine sergipano Escarro Napalm http://escarronapalm.blogspot.com/2011/08/living-in-shit.html?m=1
:: Sandney Farias
03.12.2021
40 anos do punk no Brasil e o legado de uma geração
Enquanto parte do mundo colapsava em mais uma virada de década, no Brasil a ditadura assassina jazia capenga em seus últimos anos aumentando a desigualdade e assombrando a população com violência e incertezas. É nesse contexto que durante esse período desembarca no país os ruídos mais fortes da música rápida e tocada com três acordes que já vinha contaminando os subúrbios e pequenas casas de shows em grandes cidades do chamado ‘primeiro mundo’.
O curioso é descobrir numa simples pesquisa, que a contracultura punk explodiu nos quatro cantos do planeta quase que ao mesmo tempo, pois o rock decadente que vivia os resquícios da fase áurea das bandas do final dos anos 60 e começo dos 70, clamava por um urgência juvenil e atual marcada pela insatisfação com a política, religião e a economia capitalista em sua fase liberal. O Brasil foi um desses lugares onde a parada ecoou forte e logo foi assimilada por aqueles que buscavam transgredir esses costumes e expressar suas insatisfações e anseios por meio da música agressiva e visceral.
Por aqui as primeiras bandas se espalham como uma doença principalmente em cidades como São Paulo e Brasília. Mas é na caótica capital paulista que a parada ganha maior expressividade ao parir alguns dos nomes mais representativos da cena brasileira da música do esgoto.
Uma geração que contava com bandas como Restos de Nada, Psykóse, Cólera, Garotos Podres e tantas outras que invadiram o underground e traçaram um caminho da periferia ao Centro para ganhar os holofotes desfocados da mídia e da polícia, mas também de pessoas melhor intencionadas que viam naquilo uma autenticidade de vanguarda cultural e política que até então o rock’n roll não havia vomitado com intensidade em anos anteriores.
Nesse balaio de acontecimentos, surgem os primeiros festivais, os primeiros registros em áudio e vídeo e as clássicas coletâneas, hoje itens raros de colecionador e sempre muito disputadas. O resto é história que o tempo, os livros, os zines e as pessoas que vivenciaram (e continuaram a vivenciar) aquilo na sua forma mais sincera e intensa podem contar melhor.
Luiz Bzg::
26.11.2021
Nostalgia dos anos 90
Bons e Velhos Tempos. Nos anos 90 a cena fervia com muitas bandas se formando e diversos estilos sendo criados, as fitinhas com gravações de forma bem artesanal era no esquema de trocas pelos correios, e entre as bandas. Toda comunicação era demorada e os laços criados, hoje, são eternos quando encontramos pessoas que viveram e ainda vivem aquela época. Lembro bem quando eu e meus amigos chegamos a criar uma banda, que chamamos de Natural Chaos, isso fez com que entrássemos nesse mundo da música underground e na cena alagoana. A cena fervia com diversos locais aparecendo, bandas e rolava alguns festivais, como Acendedor de Lampiões, Rock Shop Festival e outros que não me recordo no momento, fanzines e muita rockeragem em casas de amigos.
Posso falar de alguns momentos que me marcaram nessa época, o festival Rock Shop realizado no Circo Pirueta na Praça Sinimbú, onde tivemos diversas bandas autoriais e de nossa terra. Foi lá que assisti a apresentação a Água Mineral que seria o embrião para a Mopho, banda bem reconhecida fora de nosso estado. Outro evento que me marcou muito, até então com 14 anos foi o show do Raimundos no antigo Alagoinhas, show realizado com a banda Avoid, essa banda era “cultuada” pela cena e os fãs cantavam as músicas. A Apresentação era sempre de muita energia pois a interação do público com a banda era o tempo inteiro.
Ainda tenho muita nostalgia daquela época de ouro, se é que posso ter a ousadia de chamar assim, pois os estilos se misturavam, as dificuldades de ensaiar, tocar e gravar superavam qualquer obstáculo gerando até, para mim, um valor maior quando conquistado.
Viva os anos 90!!!!
Viva o Rock e sua diversidade!!
Thales Padilha::
05.11.2021
AbismoCAST: trocando ideia sobre o rock daqui
Quando me envolvi com o rock’n roll, o que me chamava mais atenção era a maneira que as bandas usavam para se comunicar com o público. Eram fotos extravagantes nas revistas especializadas, videoclipes inovadores na MTV, shows caóticos quebrando instrumentos e por aí vai. Hoje o maior meio pra trocar ideia diretamente com o público - além das apresentações ao vivo - são as redes sociais, a internet.
Cá estamos também, na era dos podcasts. E os caras da Abismo, banda com mais de duas décadas de contribuição à cena roqueira alagoana, também entraram na onda e lançaram o seu programinha no YouTube pra bater papo com figuras do rolê local, além de registrar e contar parte da história dessa movimentação dos camisas pretas por aqui.
Entre os convidados do AbismoCAST, músicos, produtores de eventos, colecionadores e outras figuras do underground local. Um caldeirão de referências com base no bom e velho rock sujo.
O primeiro programa foi ao ar tendo como convidados os fundadores da Morcegos e Misantropia, duas das bandas mais antigas de metal e punk e ainda em atividade aqui no estado. Mas também já teve uma conversa massa com membros da Cachorro Urubu, da Mutação e da renomada Avoid. Só pra listar alguns nomes.
Num formato simples e funcional, o AbismoCAST é informação pura! Sob o comando do Allan, vocalista da banda, e do Ivalter Júnior que comanda as transmissões e também participa das entrevistas, o programa é uma sacada massa em meio a um cenário carente de registros. Tema inclusive que rendeu uma boa conversa com os representantes do projeto Alagoas musical e Identidade Alagoana.
Se eu contar mais, perde a graça. A dica é mesmo ouvir (ou assistir) o programa e viajar pelas histórias de diferentes momentos da cena local contada por pessoas que vivenciaram e são eternamentes apaixonadas pela música barulhenta que transforma a mente de muita gente por aí, incluindo os roqueiros dessa coluna.
É isso! Acessa o canal dos caras, dá uma passeada pelos vídeos e se curtir, se inscreve por lá também pra ativar as notificações e ficar ligado sempre que sair coisa nova. E por falar nisso, é bom lembrar que o programa tem transmissão ao vivo onde dá pra trocar uma ideia e trazer outras lembranças junto com a galera no chat online do YouTube. É muita história pra contar!
29.10.2021
A primeira roda de pogo a gente nunca esquece
É engraçado como algumas coisas em nossas vidas surgem e ganham forma quase que de maneira natural. As situações vão se encaixando e de repente você está vivenciando algo único, um momento que ficará guardado de maneira tão forte na sua memória que é suficiente fechar os olhos para voltar no tempo. Refiz isso agora e confesso que a mesma sensação tomou conta de mim. Sabe aquele clichê: eu me arrepiei de novo.
Estamos em Maceió no final da década de 80. Junte um pequeno grupo de amigos que estão descobrindo o punk na sua forma mais visceral e sabem de um evento chamado Encontro Anti-nuclear, neste ponto a memória falha e não consigo precisar se era o primeiro ou quarto. A praça Sinimbu abrigava há época uma tenda de circo, o famoso e importante Circo Cultural. Um espaço que recebeu as mais diversas manifestações artísticas, indo do punk ao Jazz sem o menor pudor ou preconceito. Foi lá que eu vi pela primeira vez uma porrada de bandas punks, foi lá que a Misantropia fez o seu primeiro show e que tanta coisa aconteceu. Foi lá também, nesse encontro anti-nuclear, que eu vi a primeira roda de pogo punk.
O evento reuniu diversas bandas da região nordeste. Lembro que aqui de Maceió tocaram a Leprosário - tive a felicidade de assistir a um show deles, a Supranal Repulsion, que tinha a frente o Aranha - uma pessoa que apesar de aparentemente nunca ter ido com a minha cara é alguém por quem até hoje tenho respeito, já era um grande músico na época e sabia tocar um barulho de forma decente. Também tinham bandas de Aracaju, se não me engano uma delas se chamava Manicômio, e provavelmente de outros estados do NE. Mas realmente as que me marcaram naquela noite foram as três que citei.
É importante lembrar que, pode ser apenas na minha visão, demorei um pouco para ser bem vindo em determinados lugares. Se para os playboys eu era punk demais, para os punks eu era playboy demais. Os meus amigos nesta empreitada também devem fazer parte do mesmo pacote, até porque boa parte deles era formada por surfistas que gostavam do punk. Do final da década de 80 até meados ou final da década de 90 bermudas não eram muito bem aceitas na cena. Dadá Figueiredo - um surfista muito punk ou um punk muito surfista, que o diga, a frase no começo do parágrafo foi inspirada em algo que ele falou.
O clima no Circo Cultural carregava aquela energia que batia em você logo ao entrar no local. Haviam punks das mais diversas capitais e cidades do nordeste. Moicanos levantados, cortunos, calças rasgadas, o visual e atitude criando um clima único. No meio do Circo um palco no qual as bandas se revezavam e que era circulado por uma bela roda de pogo. Banda após a banda as mensagens de protesto eram reverberadas antes e durante cada música, com certeza está é uma das minhas grandes influencias desde o primeiro contato com o Cólera e com as bandas da época, o que me faz até hoje ser um pouco verborrágico quando a Misantropia toca, gosto de falar sempre que posso antes de cada música. A poeira mal tinha tempo de baixar entre um som e outro. Lembro que a maioria da galera pogava em um sentido, mas em algum momento alguém se atrevia a ir no sentido contrário. O melhor disso tudo é que mesmo com toda energia havia um respeito e uma irmandade muito grandes, ou seja, as pessoas trombavam umas nas outras mas ninguém tinha a intenção de agredir ou machucar. Quando alguém caia sempre aparecia uma mão para ajudar a levantar. Nunca vi ou compreendi a roda de pogo como algo violento. Talvez, infelizmente, algumas pessoas estejam no local errado, com a visão errada e com algum problema a ser resolvido, acreditando que ser violento pogando é uma grande demonstração de virilidade/atitude/consciência.
Depois desse show não me restou nenhuma dúvida de que estava no caminho certo. Sabia que naquele meio, sendo bem aceito ou não, vivenciaria e aprenderia coisas importantes para a minha formação. Não havia mais volta. Para alguns foi apenas uma fase. Para alguns também seria apenas uma fase passageira na minha vida. Para mim simplesmente é. Posso ainda não ser bem aceito e bem visto por todos, mas este nunca foi o meu objetivo. Felizmente estou em paz comigo e nesta análise muito do que aprendi, vivencie e aprendo neste meio funcionam como indicadores de que fiz a escolha certa.
Cara, muita massa seu texto. Curioso é que apesar de eu não ser um conhecedor do Punk, curto mais as as bandas nacionais do que as internacionais, fato que não ocorre com o hard rock e o heavy metal. Lembro do Circo Cultural. Parabéns!
Fernando Godoy
19.11.2021
Nem todos esquecem
Em 2000 o selo paraibano Cactus Discos lançou a coletânea Farinha, Hardcore e Rapadura contando apenas com bandas da região nordeste, confesso aqui o meu desejo de ter participado dela com a Misantropia. A capa, criada pelo grande Shiko (@chicoshiko), é uma obra de arte e todas as bandas presentes nela são muito boas. O surgimento da Cactus Discos, que teve uma existência menor do que a merecida, deu um gás na cena nordestina. Foram vários lançamentos que movimentaram o underground nordestino de forma significativa.
Em 2001 o meu desejo ter participado da primeira Farinha, Hardcore e Rapadura foi apaziguado, recebemos o convite para integrar a coletânea Minutos de Intolerância. Dentre as várias bandas participantes estava a Raça Odiada (Natal/RN), cujo vocalista era o grande Alexandre “Falante” - todos os seus amigos e conhecidos sabem que este apelido lhe caiu como uma luva. Cada banda participou com quatro músicas e a Raça Odiada abre a coletânea com Exército seguida por Homem Sujo, Rotina para mim rotina para você e Matando o Futuro - uma das minhas preferidas. A identificação com o som da banda foi imediata.
Como já comentei em outros textos podemos não ter controle sobre tudo o que nos cerca e ocorre, mas temos a opção de escolher o que queremos. A vida e o mundo vão girando e parece que de alguma forma, planejada ou não, as paradas se encaixam. Nem sempre para o bem, mas é assim mesmo. Não demorou muito tempo para nos conhecermos pessoalmente: Misantropia e Raça Odiada; Sandney e Alexandre Falante. Logo de cara a empatia e a troca de ideias criaram um elo de amizade que nunca se quebrou e nem quebrará. Falante é aquele tipo de pessoa que você não precisa se esforçar nem um pouco para gostar. Vez ou outra conversamos, ele não é muito fã da tecnologia, o papo é sempre finalizada com um “eu te amo”. Sei que vindo dele é de coração, assim como a minha resposta e sentimentos também. Não perco a oportunidade de chamá-lo de Dinho Ouro Preto, porque há uma pequena semelhança dele com esta figura. Neste mais de dez anos de amizade já dividimos o palco algumas vezes em Natal, em Maceió e Arapiraca. Já rolou meio que um mini-turnê deles por estas bandas daqui e os acompanhamos em dois shows.
Voltando a falar sobre o Alexandre, a Raça Odiada e a Nem Todos Esquecem, banda atual dele, quem conhece Dead Kennedys e já viu algum vídeo deles terá dificuldade em não associar a performance de palco do Falante com a do Jello Biafra. O melhor disso tudo é que se realmente o Jello for uma referência para a teatralidade e presença de palco do Alexandre, nada soa como uma cópia ou algo forçado. Há semelhanças sim, mas Falante tem sua originalidade, naturalidade e é muito verdadeiro no palco. Aliás, pense em um cara verdadeiro e de coração grande, este é o Alexandre Falante - quem o conhece sabe que não estou mentindo ou exagerando.
Alguns anos depois, desculpem a imprecisão com as datas, a Raça Odiada acabou o que resultou no surgimento da Nem todos esquecem (N.T.E). Que já foi duo, trio e quarteto, passou por algumas formações, mas sempre teve Alexandre nos vocais e nunca perdeu sua força. Nestes tempos sombrios é importante destacar a influência de filmes brasileiros na escolha do nome da banda, filmes que retratam situações como miséria, desigualdade social e a ditadura - aquele período da nossa história que muitos teimam em dizer não ter existido, ou pior, exaltam como melhor época deste país. Tem louco para tudo nesta Terra plana. Havia esquecido, mas nas primeiras gravações e apresentações da banda Falante tocava bateria e dividia os vocais com Thiago Serrinha, atualmente guitarra e vocal da Escravos da Ignorância.
A discografia da banda é formada pelos Ep’s Agora, Pelo menos por um instante (2011) e Egoísmo (2012). Além dos CDs lançados pelo selo paraibano MICROFONIA: Somos Prisioneiros (2013) e Anatomia da Cidade (2015). Recentemente eles lançaram material novo: o albúm Dor, disponível em todas as plataformas digitais.
O que sempre me chamou a atenção, isto desde a época da Raça Odiada, são as letras, a performance do Falante e a sonoridade da banda. Mesmo tendo passando por diversas formações a Nem Todos Esquecem tem uma identidade própria, conseguindo manter uma pegada característica. Suas letras transitam entre as críticas sociais, as vivências e questionamentos individuais e, na minha opinião, carregam um pouco de sarcasmo.
Dentre tantas músicas e trabalhos eu tenho as minhas favoritas que serão elencadas por álbum/CD. CD Somos Prisioneiros: Vida Simples e Nem Todos Esquecem. CD Anatomia da Cidade: A tristeza por trás do meu sorriso, Eu só trabalho para pagar minhas contas, Me diga quem é você daqui a dez anos. CD Dor: Dor, Boicote, Consumismo e Matando.
Para quem quiser conhecer mais a Nem Todos Esquecem boa parte do material está disponível nas plataformas de streaming, eles também estão presentes nas redes sociais: @nemtodosesquecem. Quem quiser conhecer um pouco mais do Alexandre Falante assistam ao episódio #033 do Podcast Segunda Onda.
:: Sandney Farias
22.10.2021
Quando conheci o Ratos de Porão
Meu início na música desgracenta e barulhenta veio com o Metallica e o Sepultura, nos discos Kill’ Em All e Arise, quando ouvi aquilo me surpreendeu demais e fiquei impressionando com a agressividade e velocidade naquela música, que seria chamada de Trash Metal. Passei a procurar naquela época dos anos 90, que não era fácil o acesso, livros e qualquer notícia sobre bandas e música, quando descobri que uma banca na Centenário vendia uma revista chamada Rock Brigade, corri e consegui comprar uma edição, o qual não lembro o número, aquilo me fez descobrir um número de banda, e foi quando li que o Sepultura tinha amizade com outra banda chamada Ratos de Porão. Naquele momento eu achei interessante o nome e não tinha nenhuma noção de como era o som, pensava que era o mesmo som que o Sepultura fazia.
Um dia, em minhas idas com meu pai para fazer feira para casa, no Hiper Bompreço da Gruta, vi o disco do RDP – Ao Vivo e fiquei maluco em ter aquele petardo, fui até meu pai e pedi que comprasse, afinal naquela época com 15 anos não tinha condições de comprar nada ainda. O mesmo não queria comprar aquele disco de banda esquisita, e com aquele nome. Depois de choros e aquelas cenas de adolescente, ele comprou.
Quando cheguei em casa, sai correndo e fui colocar aquele disco na radiola que tínhamos em casa, e sim, naquela época escutávamos ainda com um fone de ouvido plugado. Iniciei aquele momento que para mim foi intrigante e explosivo, letras ácidas e politizadas me fizeram entrar em um novo universo. À medida que ia ouvindo Crise Geral, Plano Furado, Ascenção e Queda e outros, afinal, esse disco é um clássico atrás do outros, fui entrando em uma visão mais politizada de minha vida e como música e letra devem está interligadas a um propósito, o de lutar e abrir os olhos contras as mazelas de um sistema que não olha para o povo.
Naquela época, anos 90, aquele disco escutei de forma incansável, ele mudou e ainda muda, pois é de impressionar como ele ainda é muito atual, infelizmente.
Foi dai que iniciou minha incansável procura pela cena punk e sua cultura, o que vou deixar para outro momento falar sobre isso.
“Todo mundo trabalha o ano inteiro, e chega no carnaval, é globeleza, globeleza....” *Crise Geral do disco Cada Dia Mais Sujo e Agressivo
Thales Padilha::
15.10.2021
Turnstile e o eterno loop de descobrir coisas novas no hardcore
Depois de um tempo ouvindo música barulhenta, é até meio comum não se surpreender com bandas novas ou com estilos diferentes. E isso vai desde o hardcore melódico até o grindcore mais visceral; porém, nunca é tarde pra descobrir e redescobrir novos sons.
Foi nesse pique que eu conheci a Turnstile. Aquele tipo de banda que você não distingue muito bem o estilo e quando vai mostrar pra os amigos não sabe bem dizer com qual outra banda se parece, saca?! Hardcore cru e melódico cheio de referências que vão desde o punkzão americano dos anos 80, passando pelo grunge do começo da década seguinte e tomando uns golinhos no indie de bandas que participaram da fase mais massa do estilo.
Olhando assim, parece até uma banda que toca músicas com a pegada mais oldschool, o que não é o caso aqui! A Turnstile mistura todas essas referências pra fazer um som com a maior cara de coisa nova, principalmente quando o assunto é o último álbum dos caras, Glow On, lançado agora em 2021.
Com 2 eps, Pressure to Succeed (2011) e Step 2 Rhythm (2013), que marcam a fase inicial numa pegada mais HCNY, e de bandas da conhecida cena ‘Youth Crew/Straigh Edge’, é a partir dos álbuns seguintes, Nonstop Feeling (2015) e Time & Space (2018), que novas influências começam a diferenciar ainda mais o som da Turnstile.
Tem groove, agressividade, algumas partes mais pesadas, mas no geral a praia aqui é o melódico. Não aquele com jeitão de adolescente americano abestalhado, mas aquele sofrido, sangrado e reconfortante que te faz querer andar de skate, fumar um baseado na beira da praia ou simplesmente pogar como a última alternativa para colocar pra fora as bads da rotina e de mais uma semana de trabalho.
E no álbum novo? Foi aí que os caras viajaram meeeesssmo! Um vibe que lembra umas paradas da Refused com umas pitadas de At The Drive In e Black Flag misturado com Nirvana. Na minha cabeça doida, lembrei até de um Rage Against The Machine e umas coisas do rock brasileiro da sua fase mais expressiva. Diga aí!!!! Né viagem não, ouve lá e fala tu!
É nesse pique que a banda deu uma certa ‘estourada’ atualmente com o lançamento de 3 clipes ligados por um só vídeo que eles batizaram com o nome de "TURNSTILE LOVE CONNECTION" (que também é o nome por extenso de uma das músicas que ganhou o título de TLC). Uma prévia do que viria no álbum novo e o pontapé inicial de uma nova fase da banda que já passou a incluir novas datas no calendário, agendou uma turnê na Europa e vem marcando espaço em grandes festivais dos Estados Unidos, como o já popular KnotFest, que por sinal desembarca no Brasil no próximo ano.
E por falar em clipes, esse é um dos diferencias da Turnstile, que trabalham muito bem a parte audiovisual da banda e se sobressaem com sacadas interessantes e imagens muito bem captadas e produzidas que se misturam com belas cenas do show dos caras entre moshs, pogo e a banda descendo a lenha ao vivo.
Dá um confere na discografia e nos clipes dos caras (eu achei no YouTube) e tira tuas próprias conclusões.
Luiz Bzg::
08.10.2021
Se desordem é liberdade seremos subversores da ordem.
Após o meu primeiro contato com a música e a cultura punk comecei a descobrir um universo que estava em ebulição no final da década de 80. Era comum naquele período não ter acesso fácil ao material vindo de fora do Brasil e, lógico, a produção musical também não era acessível para qualquer músico ou banda nacional. Nem de longe se imaginava que em algum momento seria possível ter acesso a bandas de qualquer lugar do mundo por meio de um dispositivo móvel turbinado por uma rede mundial que interliga boa parte das pessoas e do mundo. Neste período o objeto que fortalecia e disseminava a cultura musical da cena punk, e de muitas outras, era a fita cassete. Ela também era o meio usado por aqueles que tinham acesso aos LPs mais desejados e que, fraternalmente, se dispunham a gravar fitas para os seus amigos. Algo que nunca foi considerado pirataria e era bastante comum.
Pois bem, por meio das fitas nasceram as Demo Tapes (DT) e uma porrada de banda com um gravador em mãos passou a registrar seus ensaios e shows divulgando-os na boa e velha fita. É importante ressaltar que no começo a qualidade da gravação era precária, com o tempo alguns registros passaram a ser feitos com uma estrutura um pouco melhor. Como atualmente com um computador é possível gravar e produzir algo razoavelmente audível, muitos vão estranhar a realidade que vivi e provavelmente, caso peguem uma DT desta época, não se esforçarão para apreciá-la e nem terão um ouvido tão sedento e aguçado quanto o meu ainda hoje é. Guardo as minhas fitas desta época com muito carinho e não deixo praticamente ninguém tocar nelas.
Felizmente muita coisa boa circulava nas DTs e foi por meio delas que eu escutei pela primeira vez uma banda chamada Karne Krua. O registro fazia parte de uma coletânea intitulada BUS I (Brazilian Underground Scene) distribuída pelo CIC (Centro informativo Cólera), que possivelmente será abordado em algum texto da coluna mais para frente. Posso usar o termo amor à primeira vista? Foi exatamente isso o que ocorreu. Mesmo sendo uma gravação com a qualidade característica da época, registrando algumas músicas ao vivo, já dava para notar o quanto a banda era, e continua sendo, visceral. De quebra também tem aquele velho detalhe que considero muito importante: letra + atitude. Quando vi no encarte da DT que a banda era de Sergipe, mais precisamente Aracaju, isso aguçou ainda mais o meu interesse na banda.
Logo que possível entrei em contato com Sylvio, vocal da KK, via carta - algo muito comum na época e que funcionava muito bem para troca de material e informação. Além do vínculo de amizade, mantido até hoje, passei a acompanhar e a adquirir o material da banda. Quantas vezes escutei as DT Labor Operário, Ao vivo I, Suicídio e Em Carne Viva. São muitas letras e músicas que posso destacar mas há um som cujo refrão até hoje me coloca para pogar: Se desordem é liberdade, seremos subversores da ordem (Subversores da Ordem). Outra letra/música que acho iradíssima é Suicídio, lançada em uma DT homônima e que recentemente foi relançada como 7”EP via No Gods No Masters (https://nogods-nomasters.com/nogodsnomasters/produto/versao-limitada-karne-krua-suicidi o-7-ep/).
Quis o destino que pouco tempo depois a Karne Krua viesse tocar aqui em Maceió, se não me engano foi em um show com a Living in the Shit na antiga UESA. Se por DT eu já achava o som da banda muito instigante, ao vivo a coisa ganha outra proporção. Não lembro até hoje de ter ido a um show da Karne Krua que eu considere mais ou menos. Ao vivo a banda tem uma performance e agressividade que são únicas. Já dividimos o palco algumas vezes, também já fui a vários shows deles - não tantos quanto gostaria. Neste dia aconteceu algo que atrapalhou um pouco os meus planos. O Túlio Brito, que foi baterista da Misantropia, subiu no palco para dar um mosh e a galera educadamente abriu no momento do pulo dele que, infelizmente, achou que iriam segurá-lo. Resultado: tivemos que sair correndo para o HGE e acho que ele ganhou um canal de presente.
Também há outra experiência não muito agradável aqui em Maceió. O Sylvio organizou a turnê da Siecrist aqui no nordeste. Por causa da nossa amizade ele me pediu para ajudar nos corres. Fiz os contatos com o local e som, ajudamos na divulgação e também no contato com o ponto de venda dos ingressos. A parte financeira, os custos da organização, ficou a cargo dele e da banda. Garantimos o rango e a hospedagem. Infelizmente por causa da minha participação na organização e pela presença da Misantropia no show o evento foi fortemente boicotado, acho que deu no máximo uns 10 pagantes. Entretanto, mesmo frente a um prejuízo considerável, quando eles subiram no palco mandaram ver. Isso eu nunca irei esquecer. Aproveito para reforçar que há muitas lembranças e momentos agradáveis neste vínculo estabelecido entre nós. Inclusive eles beberam com o meu pai, que na época não curtia muito o meu envolvimento com o rock e mesmo assim os recebeu muito bem liberando um whisky que ele tinha em casa. No dia posterior ao show fomos para a praia de Guaxuma e nos divertimos bastante. Marlio, baixista da banda na época, encarnou o Tahar e pegou altos jacarés.
A Karne Krua até hoje se mantém bastante ativa e fiel aos ideias que fizeram a banda surgir por isso deixo um recado importante: se você gosta de punk/HC agressivo, bem tocado e com muito atitude precisa urgentemente conhecê-la. Se algum dia tiver algum evento na sua cidade ou região com a presença da KK não perca tempo. Pode ter certeza que você vai presenciar um show destruidor. Recentemente, como falei, a DT Sucídio foi relançada no formato 7”EP e há alguns anos atrás, 2016, eles gravaram um CD ao vivo para comemorar os 30 anos de banda. São dois belos cartões de visita.
Sandney Farias::
DT Labor Operário
DT Suicídio
Em Carne Viva
Inanição
Bem Vindos ao Fim do Mundo
Comentários | Esparro
"Muitas lembranças boas dessa época ímpar. Algumas não tão boas, como bem lembrou o Sandney nessa narrativa. Mas tudo muito válido em todos os aspectos, principalmente no crescimento mental e aprimoramento dos princípios. Amizades verdadeiras e frutos colhidos a cada dia. Hoje independente de qualquer coisa, a nossa antiga juventude não se perdeu por completo, poucos não se "salvaram", mas faz parte do processo. De uma coisa eu tenho certeza: Não passamos a adolescência vazios e trazemos isso até hoje. Forte abraço ao Sandney, sempre com ótimos textos e a ótima iniciativa desse canal."
Abraços.
Túlio Brito::
Fui nesse show com a Living, em inicio de carreira, ainda punk, na UESA. Foi bem marcante pra mim. Primeira vez que fui a Maceió, primeira vez que vi a Morcegos ao vivo, também ..
Adelvan ::
AINDA UMA VIDA EM UM MEIO
- CHARLIE CURCIO
EDITORA: BECALETE
01.10.2021
Uma vida em um meio
Este livro veio até mim com o gosto que tenho pela música undergound e pela relação existente com o autor Charlie Curcio, um grande amigo e guitarrista do Stomachal Corrosion, que conheci em contatos através da internet.
O livro relata sua biografia e a ligação com uma cena na qual ele está inserido desde os anos 80, intitulado “Ainda....Uma Vida em um meio”. São 260 páginas com muitas fotos do arquivo pessoal do músico, diversas histórias de um cara que viveu, e vive, o underground em sua essência. Ele apresenta toda a cena vivida nos anos 90, como aquela época foi importante para o crescimento desta cena. Podemos encontrar na visão do autor um meio que crescia em todo o país desde da criação de bandas, as amizades e o relacionamento de quem gostava de música extrema. Muitos grupos se criavam identificados com a música underground. No livro encontramos relatos de um resgate ao romantismo, dificuldades vividas, lutas diárias e preconceitos.
"Olho no espelho e sei que cada ruga em meu rosto é uma cicatriz formada pelos castigos e sorrisos durante a vida".
Thales Padilha::
24.09.2021
Do barulho ao faça-você-mesmo e o legado de 30 anos da Misantropia
“Ser punk não é ser podre e sim refletir a podridão do mundo”. Vi essa frase pela primeira vez escrita na camisa de um dos integrantes da MISANTROPIA, uma verdadeira instituição do hardcore do Nordeste e que pra mim ainda era desconhecida. Foi o primeiro gig que fui só com bandas alagoanas. O ano era 2001 e a ocasião o lançamento do CD da FullLine, uma das bandas mais ativas da época e que reuniu no extinto Maria Tequilla, a ‘casa do rock underground’ por um bom tempo em uma das fases mais produtivas da cena local, uma porrada de bandas convidadas para a festa.
Como disse antes, era o meu primeiro gig só com bandas independentes e no auge dos meus 13 anos e pouco eu já pirava na cena hardcore e em sons do Ratos de Porão, Cólera, Garotos Podres e Jason, mesmo sem ainda descobrir a infinidade de bandas, correntes políticas e todo o conhecimento e informação que o punk me trouxe ao longo de mais de 20 anos.
Pois bem, voltando ao referido gig...nesse dia o line-up do evento contava com atrações de todo tipo, do new metal ao manguebeat, passando é claro pelo hardcore. E eis que no meio de mais de 10 bandas que tocaram no evento, sobe ao palco um power trio formado por uns caras mais velhos e altamente dispostos a fazer barulho quando já passava das 4 da manhã. Fizeram acontecer com 3 acordes, simplicidade e uma postura contundente que me atraiu de primeira.
Eu como um adolescente novato no rolê, esperava ouvir um ou outro cover de bandas que já faziam parte das minhas playlists em fitas k7, porém com um ar mais sisudo e característico do punk, os caras desceram a lenha em um setlist só com músicas próprias. E isso foi como um murro pra mim, já que todas as bandas de antes mandavam alguns covers de músicas famosas que eram logo abraçadas pelo público.
Estava no palco a MISANTROPIA, e a partir dali eu passei a sempre conferir nos cartazes de shows seguintes se rolaria aquela banda que me intrigou desde a primeira vez que os vi. E assim segui acompanhando os caras e me aproximando ainda mais da banda e do rolê.
Nessa história lá se vão mais de 20 anos e a banda segue ativa, ou melhor, completando 30 anos de música torta e subversiva tocada no mais alto volume pelos buracos, becos e subterrâneos das pequenas e grandes cidades. São vários gigs, lançamentos, rolês e é claro, muita história pra contar. Uma trajetória marcada por amizade, tretas, momentos divertidos, engraçados e é claro muito hardcore.
Ao atravessar gerações a MISANTROPIA se renova e bebe na fonte de diversas referências, desde as que ajudaram na formação política e ideológica da banda, até algumas paradas mais atuais. É nessa vibe que eu entrei na banda!
Nas idas e vindas da formação eu acabei assumindo a bateria no time, depois de 20 anos do primeiro contato e hoje sou um dos integrantes desse trio junto a 2 membros da formação original que se aturam e compartilham ideias desde 1991. Uma nova experiência pra mim e uma oportunidade de conviver com dois caras que seguem acreditando no que motivou o início da banda: a força das ideias e do faça você mesmo!
Vida longa Misantropia!
Luiz Bzg::
Misantropia - Simples e Direto, 2008
Misantropia - Cartão Postal, 2013
Cólera - Tente mudar o amanhã, 1985
10.09.2021
S.AC e S.DC
Até hoje me considero uma pessoa mais introvertida do que extrovertida. Talvez nem todos ao meu redor concordem. Felizmente vivi e vivo experiências determinantes na desconstrução e (re)construção de quem eu sou.
O rock, principalmente o punk e o hardcore, estão presentes na minha vida desde a adolescência. Não duvido que seria um ser totalmente diferente de quem sou caso o punk, principalmente seus ideias e mensagens, não tivesse me arrebatado. Por isso que me soa muito estranho quando ouço as palavras roqueiro/punk/headbanger acompanhadas do termo “de direita”. Para mim o rock e as suas mais diversas vertentes sempre foram fontes de contestação, de inquietude, de quebra de paradigmas e de revolução. Não estou nem de longe do lado “direito” das coisas. Outra coisa importante que o punk me apresentou foi o anarquismo.
Lá pelos idos de 1986/87 tive o meu primeiro contato com a cena rock brasileira: Titãs, Legião Urbana, Plebe Rude, Ira! e tantas outras bandas que fizeram parte de uma década musicalmente rica e foram uma presença constante na minha vida, principalmente os Titãs e a Legião Urbana. Já flertava um pouco com o “metal”, conhecia Iron Maiden, Accept, Venom e algumas outras bandas destas vertentes. Felizmente sempre tive próximo a mim as boas más influencias, amigos e colegas que fizeram o favor de me desvirtuar.
Naquela época a maioria dos pais não gostavam de ver seus filhos enveredando pelo mundo do rock, usando calças rasgadas, escutando um som “barulhento” com cortes de cabelos extravagantes e que são muitos comuns hoje em dia - vide os jogadores de futebol e “digital influencers”. Sou muito feliz por ter vivido estes conflitos. Não foi fácil e sofri muito porque meu pai não compreendia a importância e a influência positiva do punk na formação do meu caráter.
Lembro de ir as festas e assaltos, principalmente no Chalé Festas, e ficar esperando a hora do rock para extravasar toda a energia e fúria adolescente que habitava em mim. Este ciclo sofreu um grande impacto no dia que fui convidado para um assalto na casa de um amigo, o Daniel Priquitinha. Os assaltos eram festas organizadas na casa dos amigos, quem era convidado levava sua bebida, o dono da casa cedia o espaço e cuidava da discotecagem. Quando começou o momento do rock lá fui para o meio da pista - a sala da casa. Nesta época o Cabeça Dinossauro dos Titãs costumava ser tocado por completo e, se não me engano, logo após sua execução ouvi os primeiros acordes de um disco e banda que mudou a minha vida: Cólera - Tente Mudar o Amanhã. Ao desenterrar a memória ainda sinto o mesmo impacto, parece que estava acordando de um sono profundo sendo chacoalhado e recebendo um choque potente. Despertando daqueles sonhos/pesadelos nos quais a gente está caindo de uma altura imensa e acorda antes de se esborrachar por completo. O melhor de tudo é que meus ouvidos já estavam educados, então também prestei muita atenção nas letras e logo de cara me identifiquei com tudo aquilo: os questionamentos, a indignação, a necessidade de colocar para fora a insatisfação e o descontentamento com um sistema desumano. A distopia apresentada em 1992, que talvez não seja tão surreal para os dias atuais e o futuro que nos aguarda, a mensagem de urgência em Amanhã. Todas as letras e músicas deste disco são fortes. Até a qualidade da gravação, que pode ser considerada precária para os dias atuais, caiu como uma luva. Este foi um momento de ruptura e crucial da minha existência: havia um Sandney antes do Cólera (s.a.C.) e surgiu um Sandney depois do Cólera (s.d.C.).
Naquele mesmo dia, após o assalto, peguei o disco emprestado e iniciei um caminho sem volta. Obrigado Redson e Cólera! Obrigado Daniel Priquitinha, galera do Trapiche e a todos os amigos e colegas que me levaram para o “mau caminho”.