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Foto do escritorSandney Farias

A primeira roda de pogo a gente nunca esquece


É engraçado como algumas coisas em nossas vidas surgem e ganham forma quase que de maneira natural. As situações vão se encaixando e de repente você está vivenciando algo único, um momento que ficará guardado de maneira tão forte na sua memória que é suficiente fechar os olhos para voltar no tempo. Refiz isso agora e confesso que a mesma sensação tomou conta de mim. Sabe aquele clichê: eu me arrepiei de novo.

Estamos em Maceió no final da década de 80. Junte um pequeno grupo de amigos que estão descobrindo o punk na sua forma mais visceral e sabem de um evento chamado Encontro Anti-nuclear, neste ponto a memória falha e não consigo precisar se era o primeiro ou quarto. A praça Sinimbu abrigava há época uma tenda de circo, o famoso e importante Circo Cultural. Um espaço que recebeu as mais diversas manifestações artísticas, indo do punk ao Jazz sem o menor pudor ou preconceito. Foi lá que eu vi pela primeira vez uma porrada de bandas punks, foi lá que a Misantropia fez o seu primeiro show e que tanta coisa aconteceu. Foi lá também, nesse encontro anti-nuclear, que eu vi a primeira roda de pogo punk.

O evento reuniu diversas bandas da região nordeste. Lembro que aqui de Maceió tocaram a Leprosário - tive a felicidade de assistir a um show deles, a Supranal Repulsion, que tinha a frente o Aranha - uma pessoa que apesar de aparentemente nunca ter ido com a minha cara é alguém por quem até hoje tenho respeito, já era um grande músico na época e sabia tocar um barulho de forma decente. Também tinham bandas de Aracaju, se não me engano uma delas se chamava Manicômio, e provavelmente de outros estados do NE. Mas realmente as que me marcaram naquela noite foram as três que citei.

É importante lembrar que, pode ser apenas na minha visão, demorei um pouco para ser bem vindo em determinados lugares. Se para os playboys eu era punk demais, para os punks eu era playboy demais. Os meus amigos nesta empreitada também devem fazer parte do mesmo pacote, até porque boa parte deles era formada por surfistas que gostavam do punk. Do final da década de 80 até meados ou final da década de 90 bermudas não eram muito bem aceitas na cena. Dadá Figueiredo - um surfista muito punk ou um punk muito surfista, que o diga, a frase no começo do parágrafo foi inspirada em algo que ele falou.

O clima no Circo Cultural carregava aquela energia que batia em você logo ao entrar no local. Haviam punks das mais diversas capitais e cidades do nordeste. Moicanos levantados, cortunos, calças rasgadas, o visual e atitude criando um clima único. No meio do Circo um palco no qual as bandas se revezavam e que era circulado por uma bela roda de pogo. Banda após a banda as mensagens de protesto eram reverberadas antes e durante cada música, com certeza está é uma das minhas grandes influencias desde o primeiro contato com o Cólera e com as bandas da época, o que me faz até hoje ser um pouco verborrágico quando a Misantropia toca, gosto de falar sempre que posso antes de cada música. A poeira mal tinha tempo de baixar entre um som e outro. Lembro que a maioria da galera pogava em um sentido, mas em algum momento alguém se atrevia a ir no sentido contrário. O melhor disso tudo é que mesmo com toda energia havia um respeito e uma irmandade muito grandes, ou seja, as pessoas trombavam umas nas outras mas ninguém tinha a intenção de agredir ou machucar. Quando alguém caia sempre aparecia uma mão para ajudar a levantar. Nunca vi ou compreendi a roda de pogo como algo violento. Talvez, infelizmente, algumas pessoas estejam no local errado, com a visão errada e com algum problema a ser resolvido, acreditando que ser violento pogando é uma grande demonstração de virilidade/atitude/consciência.

Depois desse show não me restou nenhuma dúvida de que estava no caminho certo. Sabia que naquele meio, sendo bem aceito ou não, vivenciaria e aprenderia coisas importantes para a minha formação. Não havia mais volta. Para alguns foi apenas uma fase. Para alguns também seria apenas uma fase passageira na minha vida. Para mim simplesmente é. Posso ainda não ser bem aceito e bem visto por todos, mas este nunca foi o meu objetivo. Felizmente estou em paz comigo e nesta análise muito do que aprendi, vivencie e aprendo neste meio funcionam como indicadores de que fiz a escolha certa.


Sandney Farias::


 




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