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Foto do escritorSandney Farias

Hardcore contra o facismo

Atualizado: 26 de out. de 2022

Os últimos anos foram bastante sombrios. Se há 31 anos atrás alguém me dissesse que em 2022 seríamos assombrados com a possibilidade do retorno da ditadura, reagiria rindo. Também riria bastante se falassem que, em 2018 e em 2022, eu votaria em alguém para presidente.


Sempre tive orgulho de exercer o direito de votar nulo, demonstrando o quanto não acredito no sistema. Tirei o título quando tinha 16 anos de idade, em 1990, e, de lá até o primeiro turno da eleição presidencial de 2018, sempre anulei conscientemente o meu voto. Entretanto, notei o surgimento de um fenômeno bastante preocupante, quem leu e conhece um pouco da nossa história já ouviu falar sobre o fascismo, sobre os fundamentos dessa “ideologia”, assim como tem consciência que, de 1964 a 1985, vivemos em um regime ditatorial no Brasil. Pessoas foram mortas, torturadas, e a liberdade de expressão não existia. A partir desse momento, compreendi que anular o voto seria imensamente pior do que o utilizar para impedir a ascensão de um monstro.


Seria possível regredirmos ao ponto de idolatrar alguém que tem Brilhante Ustra como uma grande referência? Seria possível os religiosos, que se vangloriam por conta de sua fé, bondade, humanidade, seguidores dos mandamentos de um Deus, - cujo filho, quando veio a Terra, esteve ao lado dos mais necessitados - adorarem um novo “Messias”, o qual destila ódio sempre que abre a boca? Seria possível ir a um show de rock/punk/hc/metal e me deparar com alguém questionando as bandas, com relação às mensagens políticas contra o sistema, durante a sua apresentação? Infelizmente, a resposta para todas essas perguntas é sim.


O punk, o hardcore e o anarquismo me ensinaram a importância da consciência e posicionamento político, foram essenciais para a formação do meu caráter. Eles me ajudaram a compreender que precisamos evoluir muito, e ainda há uma desigualdade imensa em nossa sociedade. Foi ouvindo bandas como Cólera, Ratos de Porão, Inocentes, Restos de Nada, Karne Krua, Dead Kennedys, Varukers, Bad Religion e Leprosário que compreendi o quanto é necessário alimentar uma revolução diária, individual e contínua, para que as coisas ao nosso redor mudem.


O bem-estar do outro é tão importante quanto o meu. Nós vivemos em um sistema onde poucos têm muito e a maioria quase não tem nada. Um mundo onde o alimento produzido é suficiente para nutrir a todos e, mesmo assim, as pessoas morrem de fome. Um mundo onde essa minoria privilegiada, e, muitas vezes, nós mesmos, não damos a mínima para os nossos semelhantes, e facilmente vestimos a carapuça do opressor diante de qualquer ascensão social.


Em um momento tão sombrio como o que estamos vivendo, onde vemos mais clubes de tiro do que escolas, onde a vida das pessoas que moram em favelas ou vivem nas ruas é considerada insignificante sendo exterminada sem piedade, onde o sexismo e a misoginia são normalizados, onde a cor da pele, orientação sexual e religiosa justificam a violência, é necessário que a gente escolha o lado que não tem sangue nas mãos, aquele que, mesmo não fazendo tudo o que almejamos, pelo menos tem um pouco de humanidade, respeito, permitindo que as pessoas tenham o mínimo de dignidade, acesso à saúde e à educação. Este lado nos deixará respirar, mas isso não significa o fim da luta.


A luta, na realidade, está apenas sendo iniciada por alguns e continuada por tantos outros. Precisamos refletir, sair da nossa zona de conforto e buscar meios de fazer a diferença diariamente. O voto nunca fui e nunca será suficiente. Muitas vezes ele é bastante cômodo, causando a falsa impressão de o que mais importante foi feito. Cumprimos o nosso dever de bom cidadão.


Engaje-se, encontre pessoas que compartilham dos mesmos ideais, com as quais você tem afinidade e faça algo. Nossos braços cruzados, além de nos impedir de seguir, vira terreno fértil para o surgimento, proliferação e fortalecimento de sujeitos e ideologias fundamentadas no ódio, na intolerância, na ganância, no egoísmo e no prazer de fazer mal ao outro.


PS: Entre os dias 21 e 23 de outubro, em várias cidades do Brasil, ocorreu um evento chamado Hardcore Contra o Facismo. Várias bandas se apresentaram e em todos os eventos houveram debates abordando o tema combate ao facismo. Isso só reforça que nunca foi e nunca será apenas música. Em Maceió o evento ocorreu no Rex Jazz Bar no dia 24/10, contando com várias bandas da cena local e debates com discussões importantes sobre o envolvimento político.


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