Infelizmente a pessoa que escreve este texto tem muitos pecados, um dos maiores é fazer parte de uma cena da qual, infelizmente, nunca teve o cuidado de guardar muito material das bandas locais. Só de Misantropia são 30 anos e durante este período frequentei muitos shows, dividi o palco com várias bandas e acompanhei boa parte do que aconteceu e vem acontecendo. Há bandas que gostei e gosto, há bandas formadas por grandes músicos mas que não me tiram da cadeira, há bandas com sons mais simples e menos elaborados que considero instigantes. Já faz tempo que aquele jovem pouco eclético abriu espaço para alguém com uma visão musical mais flexível, não fico preso apenas ao que eu mais gosto que é o punk/hc já faz algum tempo. Entretanto como o foco desta coluna é esta vertente há uma banda local que precisa ser citada: Living in the Shit (LITS) - creio que a opção pelo nome em inglês foi pela sonoridade mais bonita e o pensamento em alcançar o mercado “internacional” da música, quem sabe figurar na lista da billboard. Em junho de 1991, mais especificamente no dia 8, data na qual comemoro meu aniversário, rolou o primeiro ensaio da Misantropia. Foi algo feito de uma forma bem experimental comigo tentando cantar e duas guitarras, não se assustem porque ser uma banda reconhecida pela maestria musical nunca foi nosso objetivo, na época o Júnior não tinha baixo então ele usou a minha guitarra com esta função, Cedryck era quem realmente ocupava o posto de guitarrista. Na época o nosso baterista Túlio não tinha instrumento por isso os ensaios iniciais, só dois no quintal da casa dos meus pais porque os vizinhos provavelmente não aguentaram e devem ter reclamando com eles, foram sem baterista. Enquanto ele não dispunha de instrumento algo nos uniu a Living in the shit, além do fato de enveredarmos pelo mundo punk/hc, o Juninho terminou assumindo a bateria na Misantropia enquanto resolviamos esta questão. Se não me engano creio até que ele foi o “professor” do Túlio no começo. Não lembro quando ou como, mas em pouco tempo estávamos dividindo um espaço de ensaio com a Living in the Shit. Já no primeiro contato com o som deles notei a diferença abissal entre as duas bandas. Até hoje considero o Peru (Eduardo Quintela) um dos melhores guitarristas que já vi tocando punk/hc, ele está entre o meu top três da cena pesada/rock local, que é complementado por Aldo Jones (Dread Razor) e Pedro Salvador (Necro e tantas outras bandas/projetos). Devo fazer uma menção mais que honrosa a Raphael (Avoid). Além da sintonia entre os integrantes (Marcelo, Peru, Goiaba e Juninho) as letras desta fase da Living eram carregadas de sarcasmo e bem condizente com tudo o que nos cercava. Vivendo em Maceió, Pessoas Bad Comunnication, Sociedade Limitada e tantos outras eram carregadas de originalidade, fúria e a indignação do punk. Infelizmente não tenho uma DT deles, agora bate aquele peso na consciência desgraçado.
No final de 1991 fomos convidados para um show que rolou em Dezembro no Circo Cultural ao lado da LITS, várias bandas da cena local participaram do show, lembro que a Morcegos e a Escape tocaram nesta noite. Naquela época não éramos, Misantropia e Living, muito bem vindos. O clima era um pouco pesado, felizmente não houve nenhum tipo de incidente violento, fora a tensão, xingamentos e os olhares cruzados, no final tudo correu bem. A nossa apresentação foi bem nervosa, não no sentido de instigada, era a nossa primeira vez e por isso não estávamos muito a vontade, além disso a qualquer momento alguém poderia subir para tretar com a gente. Fomos devidamente bem ignorados, mas foi importante porque estávamos iniciando a nossa caminhada, encarando a desconfiança e batendo de frente com muita gente que não nos respeitava naquele tempo. Algumas destas pessoas e bandas viraram nossas amigas anos depois. Marcelo foi devidamente parametrado para o show: dreads no cabelo, estilo surfista e o sarcasmo que lhe era característico. Se da nossa parte faltou movimentação e sobrou nervosísmo, eles subiram ao palco extremamente seguros e pronto para a guerra. Que show, música a música eles deram o seu recado. Até hoje fico imaginando o que teria ocorrido se eles tivessem persistido tocando punk/hc. Em um momento do show uma figura muito conhecida da cena chegou próxima ao palco, o que acendeu o nosso sinal de alerta - estávamos preparados caso rolasse algum treta para segurar a onda juntos, o cara era grande, perto de uns 2m de altura e bem forte, chegou na base do palco e com suas duas mãos deu uma pela porrada na estrutura para intimidar a banda. Não surtiu feito, funcionou mais como combustível para uma apresentação incendiaria. De quebra ainda levaram a clássica cover do Suicidal Tendencies: I want more.
Em 1992 repetimos a dobradinha em nosso segundo show. Desta vez na praça do Skate. Nossos índices de impopularidade continuavam altos, situação importante para aprendermos a lidar desde cedo com algo que nunca nos abalou, inclusive incomodar e ser ignorado por certas pessoas/bandas é motivo de orgulho até hoje. Muitos daqueles que nos execravam na década de 90 hoje renegam o seu passado e, infelizmente alguns, estão no modo facista on. Mas voltemos ao show. Desta vez estávamos bem mais soltos e foi muito irado. A Living mais uma vez destruiu, hc/punk + sarcasmo no nível máximo. Durante um bom período repetimos a dobradinha em alguns shows: Banana Pub, UESA e outros locais. Com o tempo eles alcançaram visibilidade e conquistaram um espaço muito grande na cena local, nordestina e nacional. Como todos sabem a banda chegou na MTV, integraram-se muito bem com a cena pernambucana - que estava em efervercência, segundo reza a lenda foi o Eduardo (Peru) quem apresentou para Lúcio Maia (guitarrista da Nação Zumbi) o pedal wah wah, que na fase da LITS punk/hc ele já dominava como poucos.
Lembro que quando eles partiram para flertar com novas vertentes sonoras fiquei um pouco chateado/frustrado. Fui a alguns shows deles neste período de transição, todos sempre muito bons, mas só me divertia no momento que tocavam Vivendo em Maceió e alguns sons da fase punk. Levei tempo para entender e aceitar a mudança. É uma banda que merecia ter uma vida longa, com certeza até hoje estariam produzindo músicas bem originais e na batalha por espaço. Confesso que não tenho referência e nem noção do que é flertar com o viver de música, algo que nunca almejamos no passado e hoje ainda menos. Talvez ter que lidar com este tipo de situação seja algo difícil para qualquer banda, um teste ao qual a maioria não sobrevive. Sei que a Living in the Shit sempre será lembrada por sua história, relevância na cena local e nacional. Homem que é homem tem que ter cabelo cortado, barba feita e saber dançar forró Confira uma entrevista deles que saiu no clássico zine sergipano Escarro Napalm http://escarronapalm.blogspot.com/2011/08/living-in-shit.html?m=1
:: Sandney Farias
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